O efeito dança, tem para mim o mesmo do riso, é sempre bonito, mesmo que desastrado. Porque gosto de coisas bonitas, estou sempre a rir que nem uma tola e um dia quis ser bailarina, para mais tarde preferir a coreografia. Ditou o destino que no bailado fosse uma mera espectadora, que tantas vezes pensa para si, talvez se tenha perdido uma grande bailarina, ou talvez não.Paixão recôndita, a poucos assumi este capricho, por uma das artes mais belas do mundo. E se falo em dança, logo me ocorre a imagem de Baryshnikov.
Natural da Letónio, era o tesouro mais bem guardado do Balett de Kirov na Rússia. Homem de estatura pequena, distinguiu-se não só pela elegância, corpo definido (como desenhado a carvão), uma personalidade intensa, carácter apaixonado e força. Como tal fraca figura, exercia a força nos passos e especialmente nos saltos? Os mais altos! Intrigante, não?! Por isto e muito mais, à época disseram de Mischa (diminutivo para o verdadeiro nome) "o mais perfeito bailarino".
Baryshnikov tinha tudo, menos liberdade, quem diria, o homem que conseguia os mais belos e altivos saltos em palco, via-se de asas cortadas pelas politiquices soviéticas.
Em 1970, planeou com uma amiga, Christina Berlim, a fuga da sua própria companhia de bailado, numa digressão em Londres. Esteve em isolamento temporário no Canadá, país onde deu o ar da sua graça com a peça «La Sylphide», e em pouco tempo rumava ao sonho americano, tornando-se numa verdadeira estrela. Reconhecido como extraordinário bailarino, que chegara à terra prometida para criar com total liberdade de expressão, seria inesperadamente, elevado a ícone. Fotógrafos e realizadores queriam trabalhar com Baryshnikov, o bailarino de sotaque estranho e encantador.
Toda a gente queria estar Baryshnikov, frequentava locais míticos como o Studio 54, nunca se desviou do verdadeiro objectivo, inovar na sua arte. Nos primeiros dois anos após deixar o Ballet Russo, dançou com 13 coreógrafos diferentes, incluindo Jerome Robbins, Glen
Tetley, Alvin Ailey e Twyla Tharp. Queria apreender, absorver tudo o que não pudera junto dos seus, e pouco se importava com o sucesso comercial dos projectos em que se envolvia. «A nova experiência dá-me muito» citou um dia numa entrevista, fascinado com as
formas clássicas e modernas, embora se tenha sentido desconfortável, especial quando Tharp insistiu incorporar excêntricas pessoais
e gestos na dança.
Em 1977 estreou-se no cinema e não fez a coisa por menos, ao lado de Anna Bancroft e Shirley Maclaine, um drama familiar e que só chamou à atenção pelo tal russo de sotaque estranho e gestos delicados. De resto, esta fita não teria ficado para a história, nem mesmo incluindo no cartaz duas das actrizes mais relevantes do panorama cinéfilo norte-americano. Na sua carreira profissional, alcançou tudo o que seria possível, como por exemplo passar de bailarino a director artístico do American Ballet Theatre. E é seu um dos momentos mais memoráveis do cinema, a dança com Gregory Hines em «White Nights», entre o jazz, musical e sapateado. Sublime e inesquecível.
Depois há aquela geração que só ouviu falar do Mischa pelo «Sexo e a Cidade», o amante Russo de Carrie, o artista atormentado (não são todos?) mas que mesmo assim ainda lhe lê poesia, numa cidade que há muito esqueceu o verdadeiro romantismo. Foi um prazer revê-lo nesta série, até porque nota-se desde o primeiro dia, as cameras nunca o intimidaram, naturalmente cria química e encanta o mundo inteiro, aos pulos ou simplesmente sentado. Aliás, a idade não tem sido problema para o bailarino que desenvolveu um projecto no mínimo arriscado. « The White Oak » é um trabalho para bailarinos mais velhos criado em 2007 quando fez 60 anos. O lema é unir disciplina e
carisma, e nessa base, formou um elenco de longa carreira e sombra sobre a dança contemporânea do mundo. "Não importa quão alto levantas a perna. A técnica é sobre transparência, simplicidade e fazer uma séria tentativa", disse ainda numa entrevista para o canal Biography, com a idade pode já não ter a destreza física de outros tempos, mas hoje tem a sabedoria que não tinha na altura dos pulos que o celebrizaram, e isso permite-lhe explorar o seu próprio corpo noutros movimentos. Palavras que não caíram em saco roto. Enquanto cá estivermos, há sempre uma missão para cada um de nós, podemos querer ou não cumpri-la.