quarta-feira, 21 de março de 2012

Dia Internacional da Poesia

 
Os poetas, os que o são de facto e os que gostam de se armar ao "pingarelho" com rimas previsíveis, irritam-me. Nem sempre foi assim, houve uma altura, adolescência talvez, consumia poesia quando deveria estar na rua a brincar com os putos ao "bate pé" ou à "cabra cega". Como qualquer poeta, eu tinha a minha própria obsessão pela morte, e escrevia sobre o assunto; entre aulas enfastiantes de matemática, a paragem do autocarro e a intimidade do meu quarto. Antecipava a morte como o fim de todos os meus males, afinal, naquela idade qualquer problemas parece o fim do mundo. Até ao dia que, praticamente vi a morte diante dos meus olhos, 18 anos de idade, pensei, não posso morrer virgem. E desde essa altura, abomino a poesia e os poetas pelo cariz neurótico e depressivo. Aliás, encontrei um documento em PDF, publicado no Portal dos Psicólogos, que fundamentados na respectiva obra, consideram a hipótese de Florbela Espanca sofrer de uma depressão crónica, não diagnosticada à altura. Porque também tenho um quê depressivo (mas aprendi a lidar com isso numa perspectiva positiva e da forma menos auto-destrutiva possível), continuo a gostar das palavras, tantas vezes acertadas da poetisa. Diria numa das últimas entradas do seu diário «Está escrito que hei-de ser sempre a mesma eterna isolada...porquê?». É tal a identificação, embora a maior parte das vezes até aprecie esse isolamente como forma de distanciamento do que me cheira mal, atrevi-me hoje à tarde aos microfones da Rádio Amália ler um trecho do livro «Contos e Diário». Desconfio ter caído no ridículo, não sou a Maria Barroso para ousar declamar o que seja, mas noto em meu redor todos sem esperança e estas palavras, e creio que as palavras podem mudar o mundo, toquem o coração de alguém, ao ponto de arregaçar as mangas e fazer-se à vida.


«Viver não é parar: é continuamente renascer. As cinzas não aquecem; as águas estagnadas cheiram mal. Bela! Bela! não vale recordar o passado! O que tu foste, só tu sabes: uma corajosa rapariga, sempre sincera para consigo mesma. E consola-te que esse pouco já é muita coisa»

Na maior parte das vezes o poeta está tão concentrado a pensar, a passar esse emaranhado de palavras floreadas para o papel, empenhado depois em rasgá-lo num acto de fúria porque aquilo lhe parece uma autêntica borrada, e esquece-se do mais importante, viver.

No filme «Bright Star», protagonizado magistralmente por Ben Whishaw (antes dera cartas na adaptação de «Perfume») conta a história do poeta inglês John Keats, nada a ver com a nossa Florbela. Keats era praticamente celibatário, vivia das paixões platónicas e era tão desafortunado, não tinha literalmente, onde cair morto. É um filme que aconselho pela história do poeta e um amor, naturalmente, platónico, por Fanny uma vizinha. Há contenção e arrebatamento em cenas elegantes, não fosse a realizadora, uma mulher dada a detalhes, Jane Campion, e conhecedora dos enredos de época, como aconteceu no oscarizado «Piano». 


Hoje, sabemos quase tudo pode ser comprado, por isso, ter um cavalheiro a oferecer-nos simplesmente um poema, talvez seja das maiores fortunas para uma miúda gira, cabelos ao vento, saia curta e havaianas, acabada de chegar da praia. É irónico, mas por falar em fortunas a amada de Keats, Fanny, depois deste ter "batido a bota" com pouco mais de 20 anos, vendeu os poemas e cartas que lhe enviara com tanta dedicação, incluindo-se claro, «Bright Star», o mais famoso poema e que Keats escrevera pelo arrebatamento à formosa vizinha. Se me encontrasse com ela, dir-lhe-ia "Senhora Fanny, não foi bonito, então e o amor?" Talvez me dissesse, que tinha o bife para pôr na mesa e a poesia, só por si, nunca chegou para saldar contas. E eu compreendo, não há o que pague o facto de saber que não devemos nada a ninguém. E assim caminhamos de pés descalços, naquele jardim florido, é tal o azar e pisamos  "cócó" de cão, disparamos um impropério e ecoa pelo arvoredo, assim como a nosso gargalhada, porque a vida só pode ser bela com estas pequenas "merdas". 


As palavras que Keats escreveu à mulher que amou doentiamente, no papel, Fanny, terá guardado certamente no sitio mais importante de todos.  E creio que na hora da morte, a velhota senhora veria - imagens em catadupa numa retrospectiva quase cinéfila das suas vivência a fugirem-lhe diante os olhos - lá estaria John Keats, não só a memória, mas todas as sensações provocadas pelas palavras tocantes e que as sentiu na pele com se das mãos do poeta se tratassem. Diria a nossa Florbela, acertadamente, sobre o que é realmente importante nesta vida «...Se um dia hei-de ser pó, cinza e nada, que seja a noite a minha alvorada. Que me saiba perder...para me encontrar...»

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